JUDICIAL SELFIE? NÃO, OBRIGADO!EM DEFESA DA MULTIPLICIDADE DO DISCURSO [JURÍDICO]

Autores

  • Márcio Ricardo Staffen Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito - IMED/RS

DOI:

https://doi.org/10.14210/nej.v19n3.p1045-1069

Palavras-chave:

Multiplicidade, Uniformização de Julgados, Teoria da Decisão.

Resumo

O presente artigo científico propõe-se a estudar, a partir de um cenário literário, os efeitos do movimento de uniformização de julgados no ordenamento jurídico brasileiro, procurando demonstrar a necessidade de uma argumentação jurídica substancialmente democrática, realizada via contraditório, em simetria de oportunidades, que relegue num segundo plano o fetiche (reducionista e artificial) da segurança jurídica, que não se confunde com a proposta de exatidão de Italo Calvino, em prol da efetividade e da eficácia das decisões nos contornos do Estado Democrático de Direito, à luz dos Direitos e Garantias Fundamentais. Nesse substrato, o da lógica aritmética, a jurisdição brasileira tem passado, desde a segunda metade da década de noventa do século anterior, por profundas modificações, a exemplificar: uniformização da jurisprudência; cláusulas de repercussão geral; recursos repetitivos e súmulas vinculantes, criando implicitamente a noção de que qualquer exercício hermenêutico-interpretativo é proibido. Graças a um giro linguístico, utilizando-se da esfinge da segurança jurídica, por ora matriarca de insegurança, institucionalizou-se como naturalidade o império da previsibilidade das decisões jurisdicionais, ainda que ao arrepio da Constituição da República. É por tais razões que se utiliza de uma das célebres novelas de Dostoiévski, dentre os vários autores que romancearam o presente dilema, para demonstrar a real impossibilidade de se ter um sistema decisório neutro, aos moldes da química (Ph7), ou que estabeleça previamente os sentidos possíveis das decisões. Na perspectiva das linhas literárias, valendo-se das propostas de Italo Calvino para o presente milênio, adere-se à defesa da compulsória multiplicidade do discurso jurídico, como fator de riqueza literária e construção comum de ideais e ações, bem como para se escapar de arbitrariedades. Nesta linha, faz-se a abordagem do tema da multiplicidade no intuito de estabelecer um sistema democrático e multilevel de defesa dos Direitos e Garantias Fundamentais, em consideração a pluralidade social, as diferenças, as similitudes e a identidade das minorias. No âmbito destas reflexões, é importante frisar que cada personagem tem valores. Via diálogo, cada ação é também reação, isto por que, cada nova manifestação está vinculada intrinsecamente à ação do outro, desta forma, a construção do sentido de um diálogo depende da efetiva participação do outro, sem elementos de autoridade e hierarquia. Chega-se assim, a compreensão da decisão judicial como uma grande rede, que deve se distanciar do self de quem a profere, pelo reverso, deve implicar na combinação de informações, versões, experiências e afins. Em homenagem à estilística de Italo Calvino, para a exposição dos argumentos realizou-se a ilustração do contexto instalado na realidade brasileira e suas consequências com a novela “O eterno marido”, de Fiodor Dostoiévski. Utilizou-se, para o desenvolvimento da presente pesquisa, o método indutivo, operacionalizado pelas técnicas de conceitos operacionais e da pesquisa bibliográfica.

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Publicado

2014-11-25

Como Citar

STAFFEN, M. R. JUDICIAL SELFIE? NÃO, OBRIGADO!EM DEFESA DA MULTIPLICIDADE DO DISCURSO [JURÍDICO]. Novos Estudos Jurí­dicos, Itajaí­ (SC), v. 19, n. 3, p. 1045–1069, 2014. DOI: 10.14210/nej.v19n3.p1045-1069. Disponível em: https://periodicos.univali.br/index.php/nej/article/view/6678. Acesso em: 24 abr. 2024.

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Artigos